Ladies and gentlemens com vocês Como o sangue escorre
O som dos brindes preenche o imponente salão de festas. A musica tocada pela banda divide espaço com o som dos exaustores sugando a fumaça tóxica dos cigarros e charutos cubanos. Um grupo de diretores, vestidos perfeitamente em ternos novos se aproxima do palco pela direita. A musica cessa e os rostos de todos se voltam para o palco, mostrando um interesse não existente. Depois de 15 minutos de discursos inúteis, entrecortado pelos cochichos de alguns jovens, finalmente o diretor fala aquilo que August tanto esperava.
―... o novo vice-diretor de vendas é o senhor Albert Jonhson.
Enquanto o bajulador era adorado por aqueles da sua espécie ninguém repara no terno risca-de-giz deixando o salão com passos rápidos. Apenas queria sair daquele lugar fétido. Em qualquer outro lugar do mundo decisões de uma firma ficam restritas a firma, mas em Red Sun tudo deve ser mostrado na palco principal sob os holofotes. Como não queria ir para casa e não tinha certeza de para onde iria resolve deixar o Bel Air no estacionamento e sair andando a esmo pelas ruas iluminadas da pacata Red Sun. Jeanne e Amanda iriam reclamar se, além de terem que ir naquela festa enfadonha, voltassem a pé para casa. Talvez passasse em algum bar para beber e fumar. Alimentar seus vícios com cretinos estranhos era melhor do que estar com cretinos conhecidos o observando.
Já que sua promoção foi por agua abaixo sua única preocupação no momento é que o Nickolas não tenha agido como um retardado na casa da babá. Normalmente as babás desistiam de cuidar dele novamente após vê-lo repetir uma frase sem parar ou ficar se balançando com o olhar afetado. August não conseguia entender o que havia acontecido. Amanda havia nascido perfeita.
Talvez fosse seu sangue. Nunca se importara com suas origens, mas desde que deixou a Alemanha às pressas com sua família em 1936 e chegara à América passara a odiar o fato de ser judeu. Era tratado como nazista na escola. As imagens daquele judeu bêbado, que um dia fora seu pai Abner, enfiar até o cabo uma faca de manteiga no crânio de sua mãe, chamar o socorro e sair daquele apartamento fétido como se nada tivesse acontecido o perturbava todos os dias quando ia dormir. Sua mãe ficara cega e morrera dois anos depois devido a uma infecção no local. Após casar com Jeanne, resolveu abandonar seu antigo nome e começar uma nova vida na Red Sun. Ambos tinham tido um passado conturbado e estavam dispostos a levar uma vida normal. Isso até Nickolas nascer.
Como já esperava, todos os bares já estavam fechados, mas ao menos pode espairecer a cabeça durante essa caminhada. Quando chega em casa todos já estão dormindo. Na pia algumas carnes para o almoço de família amanhã e alguns barulhos estranhos vindos do quarto de Nickolas. Resolveu apenas ignorar. Amanhã seria um dia difícil.
Amanda passa um bilhete para Sandy durante a aula da História.
“Não vou poder ir com você na festa hoje. Vou ter que ir numa reunião da firma que meu pai trabalha. Ele não para de falar que talvez seja promovido. Grande coisa.”
“August deve estar arrasado. Já não basta não receber a promoção e ainda por cima temos um almoço com meus pais amanhã.”
Não gosta nem de lembrar de seu pai desbravando cada canto do seu corpo como se isso fosse natural. Após andar por aquele ambiente infestado de bajuladores, como não encontra seu marido, resolve ir embora com sua filha.
O trompetista da banda, com camisa aberta, fuma calmamente na penumbra encostado no Cadillac preto do vocalista, quando Jeanne deixa o salão em direção ao Bel Air vermelho.
― Se ela não fosse uma vagabunda e não tivesse casado com aquele nazista maldito adoraria mostrar meu trompete para elas. Se é que vocês me entendem.
No meio das risadas o Cadillac arranca deixando bitucas de cigarro no chão.
“Faz muito tempo que ela foi pra cozinha e não voltou mais para brincar comigo. Por que as pessoas sempre se afastam de mim?” Pergunta Nickolas para si mesmo enquanto se balança inconscientemente em frente da TV que passa um filme de faroeste qualquer.
“Todo mundo na escola e na minha rua me chama de... de... retardado. Não sei o que isso quer dizer, mas acho que é uma palavra feia como bunda ou saco. As professoras sempre mandam meus colegas pararem de me chamar assim, mas acho que elas também têm medo de mim.”
Ouve a buzina do Bel Air da família. “Finalmente, ela chegou. Se for pra ser ignorado que seja em casa. Amanhã vovó e vovô vão almoçar em casa, por isso vou poder ficar no meu quarto o dia inteiro.”
Vou tentar escrever as ações de cada personagem em separado. Não tenho certeza se vou conseguir manter um padrão aceitável de qualidade, mas tá valendo. Não vou postar mais agora porque estou separando a história em periodos de tempo.